O estéril amor fecundo de Bernardo Soares

Abstract

A presente tese insere-se no âmbito dos Estudos Portugueses (vertente de estudos literários), mais especificamente na área de Teoria da Literatura. É nela estudada a obra Livro do Desassossego, do autor Fernando Pessoa na sua faceta heteronímica de Bernardo Soares. A partir de uma selecção de trechos desta obra, é feita uma análise crítica do conceito de amor. Justifica-se o interesse do presente trabalho pela ausência de estudos críticos satisfatórios, respeitantes a esta obra, sobre o tema do amor, o qual, segundo o que se pretende demonstrar, não é de menor importância para a compreensão estética da mesma, bem como do pensamento pessoano em toda a sua amplitude. O conteúdo crítico do trabalho está dividido em três partes: na primeira, estuda-se a estrutura formal do Livro do Desassossego, pretendendo-se, através da introdução a certos conceitos e teorias fundamentais nele presentes, demonstrar o seu carácter poético-erótico; na segunda, traça-se o plano de imanência do conceito amor em Bernardo Soares, delimitando-o por dois vectores essenciais: 1) Não-dominação; 2) Não-identidade; na terceira, propõe-se a análise de como, a partir dos dois vectores deste conceito, são criados os modos de amar do sujeito poético, nomeadamente um modo artístico-literário. Para explicitar o conceito de amor em relação com a 1) Não-dominação é abordada a questão da renúncia à posse (e o extravasamento para a crítica da estratificação social). Já em associação com a 2) Não-identidade, a análise incide nas questões da figuração e do devir. Estes são os elementos-chave para a criação de uma imanência do desejo em Soares. Adentro das reflexões sobre literatura de Soares em relação com o conceito-tema do projecto, são postos em cena os problemas da passagem do artista da condição de ser descontínuo (solitário, ascético) à condição de ser contínuo (de pertença ao mundo), da emancipação intelectual – a impossibilidade de estabilização do pensamento e consequente insubmissão deste a si próprio – e da emancipação social – a arte como modo de inconformismo e instrumento de subversão da empiria –, da significação múltipla do texto literário como condição de contemporaneidade deste em relação a todos os tempos, do amor como condição apriorística de aceitação da arte e como motriz do fazer artístico.