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http://hdl.handle.net/10451/34789
Título: | Insights into perceptual ambiguity and inference in art- : a practice-based approach derived from the corporeal form |
Autor: | Meyler, Samuel Viana |
Orientador: | Serra, José Pedro Mainen, Zachary |
Palavras-chave: | Lecoq, Jacques, 1921-1999 - Crítica e interpretação Corpo humano - Aspectos simbólicos Corpo humano - No teatro Expressão corporal Movimento (Teatro) Arte dramática Teses de doutoramento - 2018 |
Data de Defesa: | 4-Jul-2018 |
Resumo: | The goal of this dissertation is to apply the phenomenon of perceptual ambiguity
to the corporeal form, adopting examples from the work of acting instructor
Jacques Lecoq (1921-1999).
I submit that the sensitivity of our perceptual system, highly adapted to
recognise human faces and bodies, both constrain, as well as aid, artistic
attempts at embodied ambiguity. Furthermore, defamiliarisation will generally
be favoured over indeterminacy because the former is an ambiguous stimuli that
preserves the presence of the corporeal form. While these more innate biological
components will govern form, theatre practices in the last century have taken an
increasingly embodied epistemological approach which has encouraged the use
of perceptual ambiguities on stage. Physical theatres reflect this transition,
emphasising the body over language to communicate ideas and concepts. For
example, the pedagogy of J. Lecoq involves recreating and embodying the
external world using the human actor (e.g. materials, animals, colours, masks
etc.). This process will naturally result in defamiliarisation because it transforms
the human into an ambiguous stimuli, forcing a re-interpretation on the part of
the observer. This transformation can be viewed as the result of an imitative or
emulative operation whose reproduction, often only partially successful,
contains a huge potential for artistic creation.
This dissertation also includes artistic objects as well as two scientific
experiments. The practice-based artistic object includes a documentary film
entitled ‘Sculpting the Body; a theatre of physicality’. By merging both practical
and theoretical work, this thesis demonstrates how physical theatre uses
embodied perceptual ambiguities as part of its aesthetic construct, and
furthermore, argues that this represents a particular manifestation of a wider
phenomenon that remains ubiquitous to art in general but which will have
different constraints contingent on the artistic medium used. O objectivo desta dissertação é aplicar o fenómeno da ambiguidade perceptiva à forma corporal utilizando exemplos do trabalho desenvolvido pelo professor de teatro Jacques Lecoq (1921-1999). Surge como um produto da combinação do meu trabalho enquanto biólogo e actor. Neste sentido, começo por propor que a ambiguidade é apenas uma das facetas de um espaço multidimensional que constitui a experiência da arte. Considero a ambiguidade uma propriedade resultante da acção do indivíduo, ao tentar interpretar a sua informação perceptiva e não como uma característica inerente ao objecto. Da perspectiva do cérebro, esta interpretação é fortemente orientada para a redução da ambiguidade, uma vez que, em termos evolutivos, o nosso sistema perceptivo tem-se desenvolvido maioritariamente no sentido de representar funcionalmente objectos reais. Embora a arte seja uma classe de estímulos percepcionada pelo mesmo sistema, não significa que as criações artísticas sejam, necessariamente, limitadas pelas restrições da experiência visual diária. Considero esta “liberdade perceptiva” a razão pela qual estados prazerosos e aliciantes possam resultar da ambiguidade na arte. Assim, poderei assumir que, na arte, espaços de média e grande ambiguidade são positivamente interessantes, pois desafiam-nos a aplicar um dos propósitos fundamentais da cognição – o interpretar e perceber a nossa realidade – a estímulos “seguros”, que, todavia, são bastante raros, difíceis de processar e até pouco convencionais num contexto quotidiano. Estudos que se debrucem sobre este fenómeno em formas de arte corporalizadas, como é o caso do teatro, são ainda extremamente escassos. A passagem de pinturas estáticas para performances personificadas efémeras não é trivial, pois introduz a presença física de um corpo em movimento. Do ponto de vista biológico, a nossa sociabilidade enquanto espécie resultou num sistema perceptivo altamente adaptado em reconhecer rostos e corpos humanos – considero que esta sensibilidade poderá restringir, bem como apoiar, tentativas artísticas de ambiguidade. A título de exemplo, a ambiguidade irá estar restringida, pois não só o performer se encontra limitado pelas circunstâncias físicas (gravidade, anatomia, etc.), como o espectador possui um sistema perceptivo extremamente adaptado em reconhecer o corpo humano. Ambos contribuem para a redução da capacidade de um performer criar imagens perceptualmente ambíguas, usando o corpo e o rosto. No entanto, e até de certa forma paradoxalmente, dado que o cérebro humano se encontra condicionado para detectar figuras e inferir informação a partir da mais pequena expressão facial e corporal, a mera sugestão física de um indivíduo em palco é muitas vezes o suficiente para que o nosso sistema perceptivo infira um determinado estado. Isto aumenta o espaço potencial de inferência do observador. Exercícios em teatro, como o “fazer nada”, retratam bastante bem este fenómeno. Além disso, uma vez que o requisito geral de uma forma de arte corporalizada é a presença física do próprio corpo humano, isto limita naturalmente o nível de ambiguidade perceptiva, pois o reconhecimento semântico humano nunca pode ser eliminado por completo. O que significa que a ambiguidade perceptiva que irá ser favorecida em performance corporalizada será a desfamiliarização ao invés da indeterminação. Isto deve-se ao facto de aquela preservar a presença da forma corporal. As máscaras teatrais são um exemplo deste fenómeno – estas distorcem a nossa representação normal do rosto, aumentam a subjectividade, utilizam a nossa capacidade de inferir estados a partir da mínima expressão humana, conseguindo, no entanto, manter a presença do corpo físico em palco. Para além destas componentes biológicas mais inatas, mudanças culturais importantes, que aconteceram no último século nas práticas teatrais, também encorajaram o aparecimento de ambiguidades perceptivas – por exemplo, enquanto modelos de teatro tradicionais foram dominados, não apenas pelo texto dramático, mas também por uma abordagem dualista que tendia a olhar o corpo sob uma perspectiva mais mecânica, o teatro tem adoptado, progressivamente, uma abordagem mais corporalizada. Esta mudança, na direcção de uma epistemologia corporalizada, desafia a utilização da linguagem como método principal de comunicação e desvaloriza uma abordagem à representação puramente psicológica. Os géneros de teatro físico proporcionam uma oportunidade interessante para explorar ambiguidades perceptivas, pois estes traduzem esta transição, enfatizando o corpo em relação à linguagem na comunicação de ideias e conceitos. Jacques Lecoq é considerado um dos pioneiros do teatro físico moderno e o seu trabalho inclui muitos dos elementos que considero necessários para uma exploração da estética da ambiguidade perceptiva corporalizada. Sinto-me inspirado, em muitos aspectos, pela artista Emilyn Claid (2006) na sua abordagem em considerar a palavra “ambiguidade” como um verbo: “ambiguizar”, sendo então o meu objectivo, o encontrar exemplares deste “verbo” na pedagogia de Lecoq. Esta escola centra-se essencialmente na filosofia de que “tudo se move” e, ao longo do seu treino, aos actores é repetidamente solicitado que recriem e encarnem o mundo exterior que os rodeia (elementos, materiais, animais, cores, etc.). Este processo resulta, naturalmente, na “desfamiliarização” – como por exemplo o encarnar a primavera, o cartão, a galinha ou a cor azul, ambiguiza o corpo, tornando-o desfamiliar e transformando-o numa metáfora corporalizada que nos permite olhar a forma humana de uma perspectiva diferente. Da mesma forma, as várias máscaras que Lecoq integrou na sua pedagogia, distorcem a nossa representação normal do rosto, transformando o humano num estímulo ambíguo, o que obriga a uma reinterpretação por parte do observador. Considero que estes exercícios representam exemplos específicos em como a ambiguidade pode ser criada usando a forma corporal. Por fim, analiso o trabalho de Jacques Lecoq sob a perspectiva biológica da aprendizagem social. Em conformidade com a descrição dos exercícios teatrais supracitados, a desfamiliarização pode, em última instância, ser vista como o resultado do processo em que um objecto tenta encarnar outro. Esta situação não difere da “teoria da bi-associação”, de Arthur Koestler, que descreve o processo criativo como a combinação de elementos que normalmente não se encontram associados. Assim, quando um actor escolhe a tartaruga e copia a sua marcha, esta é a sua tentativa de encarnar o movimento daquele animal. No cerne desta questão encontra-se, o que tem sido historicamente denominado por psicólogos e etnólogos (e.g. Byrne 1998, Nehaniv et al. 2001), o “problema de correspondência”, ou seja, como é que o observador realiza acções que “correspondem” às do sistema observado? Na verdade, vejo o processo de “ambiguizar”, na pedagogia de Jacques Lecoq, como o resultado de uma operação imitativa ou emulativa que surge da tentativa do actor humano recriar, através do corpo, o mundo exterior que o rodeia. Estas tentativas vão acabar por ser fragmentárias por dois principais motivos. O primeiro, como defendo ao longo desta dissertação, prende-se com o facto de uma das características da arte ser a de procurar representações parciais (i.e. ‘partial matchings’) que possam criar ambiguidade e libertar-nos da experiência perceptiva quotidiana. Enquanto artistas, estamos, portanto, abertos a tais estímulos. O segundo motivo relaciona-se com o facto de, à medida que as possibilidades da acção ou ‘affordances’ que pretendemos copiar se tornam cada vez mais díspares da nossa própria forma corporal, somos forçados a aceitar uma representação parcial. A ambiguidade surge, pois apesar de todos os esforços, nunca iremos conseguir ser inteiramente fiéis à imagem que tentamos encarnar. Consequentemente, apesar de não conseguirmos resolver o problema da correspondência devido às nossas limitações físicas, podemos criar um efeito aliciante em palco através das nossas tentativas em tentar fazê-lo. Assim, a desfamiliarização é criada no teatro físico pois o nosso objectivo não passa por encontrarmos uma representação exacta – na verdade, é o subproduto resultante da tentativa inicial de atingir a representação exacta (e de sermos frequentemente forçados e/ou condicionados a aceitar o parcial) que cria a ambiguidade e consequente espaço de inferência para o espectador. Este fenómeno contém um enorme potencial para a criação artística. Passando da teoria à prática, esta tese inclui ainda um elemento artístico, bem como duas experiências científicas. O objecto artístico ‘practice-based’ inclui vários vídeos e um filme-documentário intitulado ‘Sculpting the Body; a theatre of physicality’; que estreou no DocLisboa Film Festival 2017 (25min). Estas filmagens envolvem um grupo de estudantes exemplificando muitos dos exercícios teatrais descritos na parte teórica desta dissertação, os quais dirigi, ensinei e filmei. O objectivo do documentário foi o de criar um corpo de trabalho independente que existisse paralelamente à tese e que pudesse proporcionar uma referência mais visceral de algo que se trata de uma forma extremamente visual de teatro. Do mesmo modo, concebi e implementei duas experiências científicas que resultaram directamente de questões e reflexões que emergiram durante a criação e preparação desta tese. Devido a limitações de espaço, bem como pelo facto de se tratar de uma dissertação de doutoramento inserida num programa de humanidades, estas encontram-se em anexo. A sua inclusão prende-se com o facto de esta tese se inserir também no programa de Neurociência da Fundação Champalimaud, um programa de pesquisa com o objectivo geral de compreender o cérebro e o comportamento através de abordagens biológicas integrativas. Na fusão do trabalho teórico e prático, esta tese demonstra como o teatro físico utiliza ambiguidades perceptivas corporalizadas como parte do seu construto estético. A pedagogia de Jacques Lecoq representa apenas uma das manifestações de um fenómeno tão amplo (i.e., ambiguidade) que permanece omnipresente na arte em geral, mas que irá ter diferentes constrangimentos dependendo do meio artístico utilizado. Este fenómeno, em última análise, só existe devido à forma como o nosso sistema perceptivo evoluiu. |
URI: | http://hdl.handle.net/10451/34789 |
Designação: | Doutoramento no ramo de Artes, na especialidade de Artes Performativas e da Imagem em Movimento |
Aparece nas colecções: | FL - Teses de Doutoramento |
Ficheiros deste registo:
Ficheiro | Descrição | Tamanho | Formato | |
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ulfl249013_td.pdf | 24,52 MB | Adobe PDF | Ver/Abrir | |
ulfl249013_td_Champalimaud Symposium 2015.pdf | Scientific Experiment_ Social Learning and Imitation in the Rat (Supplementary Information) | 7,41 MB | Adobe PDF | Ver/Abrir |
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