A cosmovisão oitocentista e o seu impacto na lírica de Camilo Pessanha

Abstract

presente trabalho tem como propósito confrontar o ideário finissecular com a produção lírica de Camilo Pessanha. O tema é demasiado abrangente e, na necessidade de delimitá-lo, tentei focar a minha atenção na campanha de aviltamento da figura feminina que se promovera na Europa a partir do último quartel de Oitocentos e averiguar até que ponto ela tinha sido assimilada pelo imaginário de Pessanha. O que particulariza este período histórico é a sua obstinação pela abordagem de temáticas esotéricas e misóginas. Com efeito, no final do século XIX, promoveu-se uma megacampanha de derrotismo, a qual servia de pretexto para o elogio da esoteria e para a despromoção do Cientismo. Uma tendência comportamental perfeitamente natural se atendermos ao facto de que a Ciência gorara toda as expectativas que se tinham gerado em torno dela. As nações tinham depositado nela as suas esperanças de melhoramentos sociais, económicos e tecnológicos, mas algumas delas não conseguiram acompanhar de igual para igual os seus parceiros europeus na corrida para o Progresso. O processo evolutivo de países como a França e Portugal não foi bem sucedido e, em alguns casos, verificaram-se alguns retrocessos que abalaram fortemente os sentimentos nacionalistas desses mesmos. Aos olhos destes países, que no passado tinham sido varonis e enérgicos, esta gradual debilitude das estruturas nacionais iria ser perspectivada como uma efeminação indesejada. A responsabilidade desta degenerescência dever-se-ia atribuir às forças involutivas do Eterno Feminino que se tinha insinuado insidiosamente nos vigamentos do Universo. Se a faceta negra do princípio feminino causara danos irreparáveis na sociedade, era necessário contrabalançar essa degenerescência, virilizando a conduta pessoal e comunitária. Depois de se constatar que o pragmatismo e o progresso estavam destituídos de poder de concretização, a intelligentzia ocidental empenhou-se em explorar a outra faceta do Feminino: a da feeria supraterrena. Muito provavelmente esta vertente feminina, esta anima universal, poderia regenerar o que a malignidade destruíra. Se esta visão poetizante enformou as mentalidades dos países fragilizados, seria difícil a Camilo Pessanha, um homem débil, por força da genética e de uma conjuntura familiar desfavorável, escapar a este cultismo da Feminilidade. [...]

The purpose of this essay is to compare late 19th-century ideas and Camilo Pessanha's poetical works. This theme is too comprehensive, so I have decided to focus on the campaign of abasement of the feminine figure conducted in Europe in the last decades of the 19th century and on the question of whether this campaign was assimilated by Pessanha. What characterizes this historical period is the insistence on esoteric and misogynist themes. In the late 19th century, a major campaign of defeatism was promoted, which was the pretext for the praise of esoteric knowledge and the demotion of Scientism. This behavioural tendency is quite understandable when we think that Science had failed in coming up to general expectations. Nations had pinned all their hopes of social, economic and technological development on Science, but some had not managed to keep up with their European partners in the race towards Progress. The evolutionary process of countries like France and Portugal was not successful, and there was at times regression, which was a shattering blow to nationalist feelings in these countries. In the eyes of these countries, which had been manly and energetic in the past, the gradual weakening of national structures would be regarded as an unwanted effeminacy. The responsibility for this degeneration was to be ascribed to the backward forces of the Eternal Feminine Principle, which had insiduously introduced itself into the framework of the Universe. Since the dark side of the feminine principle had caused irreparable damage to society, it was necessary to compensate for it by making personal and social behaviour more manly. After realising that pragmatism and progress were deprived of all power of materialisation, the Western intelligentzia strove to explore the other side of the feminine principle: magic and dream. This feminine side, this universal anima, was very likely to regenerate what evil had destroyed. As this poetic perspective shaped the mentalities of the most fragile countries, it would be very difficult for Camilo Pessanha, a feeble man due to genetics and his disadvantaged family, to escape the cult of feminity. [...]