A escrita que envenena o olhar: deambulação pelo território fortificado das Ciências do Homem

Abstract

Desde "O Fedro de Platão" que a escrita, entendida como um fármaco (veneno e remédio contra o esquecimento), tem um carácter institucional, e por isso normativo e penal. Barthes e Derrida partilhavam esta ideia. E Foucault, interrogando as disciplinas científicas, deixou bem claro que elas são, enquanto práticas discursivas, uma realidade policiada interna e externamente (pela citação, pelo comentário, pela doutrina, pelo ritual, pelas linhas de demarcação estabelecidas pelas apropriações sociais). Só recentemente o discurso das ciências do homem, que produziu um certo tipo de olhar, por força dos domínios de objectos que foi enunciando, das metodologias que foi empregando e dos horizontes teóricos para que foi remetendo, se decidiu a olhar o seu próprio olhar. E tem-no feito mostrando-se atento aos diversos contextos de negociação do saber, a ponto de podermos dizer que o que há hoje de interessante na arqueologia, como aliás na história, é que, a semelhança do que se passa na sociologia e na antropologia, há nelas uma preocupação com a construção conceptual do objecto da prática teórica, até há pouco confundido com o próprio campo de observação: os objectos exumados pelas escavações, no caso dos arqueólogos; os documentos libertos do pó dos arquivos, no caso dos historiadores; as instituições que condicionam o comportamento do homem, no caso dos sociólogos; as sociedades primitivas, primeiro, as sociedades camponesas, depois, no caso dos etnólogos. É meu propósito traçar aqui a geografia deste território fortificado, interrogando o tipo de escrita que armou o olhar das ciências do homem.